Colaboração premiada e seletividade do sistema penal: problematizações acerca da utilização de acordos na Operação Lava Jato

Maiquel Angelo Dezordi Wermuth, Maurício Habckost Dalla Zen

Résumé


A Operação Lava Jato é considerada por muitos como a maior iniciativa de combate à corrupção já vista na história do país, em razão da prisão de inúmeros políticos e empresários influentes, fato tendente a romper com o paradigma da seletividade do sistema penal pátrio. Contudo, a utilização excessiva de acordos de colaboração premiada na referida investigação parece indicar o contrário, pois inúmeros delatores de agentes públicos tiveram a sua pena reduzida drasticamente e hoje estão longe de sentir os nefastos efeitos do sistema carcerário, o que corrobora a constatação de que a Justiça brasileira continua a proteger determinados indivíduos. Diante desse contexto, o presente artigo pretende averiguar em que medida o instituto da colaboração premiada, nos moldes em que vem sendo utilizado na Operação Lava Jato, reproduz esta lógica seletiva por meio da qual a Justiça opera. Como conclusão, sustenta-se que a ampla discricionariedade conferida ao Ministério Público para a aceitação ou não de colaborações é um fator que acentua a aludida seletividade, pois, por meio de critérios extralegais, o órgão tem o poder de escolher aqueles que merecem ter a chance de serem imunizados por benefícios premiais e quem deve ser excluído deste privilégio. Reforça essa constatação o fato de haver um perfil predominante de colaborador na operação: empresário, operador financeiro e/ou parente de ambos, enquanto a classe política, ao menos nas primeiras fases da operação, parece ser o principal alvo das investigações.

Texte intégral :

PDF (Português (Brasil))

Références


ANDRADE, Vera Pereira de. A Ilusão de Segurança Jurídica: do controle da violência à violência do controle. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

ANITUA, Gabriel Ignacio. Histórias dos pensamentos criminológicos. Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, Instituto Carioca de Criminologia, 2008.

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à Sociologia do Direito Penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan; Instituto Carioca de Criminologia, 2002.

BITTENCOURT, Cezar Roberto; BUSATO, Paulo César. Comentários à Lei de Organizações Criminosas: Lei n. 12.850/2013. São Paulo: Saraiva, 2014.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: Acesso em 27 novembro 2019.

BRASIL. Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); revoga a Lei no 9.034, de 3 maio 1995; e dá outras providências. Disponível em: Acesso em: 31 outubro 2019.

BRASIL. Lei nº 13.496, de 24 de outubro de 2017. Institui o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) na Secretaria da Receita Federal e na Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional . Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13496.htm> Acesso em 19 novembro 2019.

BRASIL, Ministério da Justiça. Projeto de Lei Anticrime. Disponível em: < https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1549284631.06/projeto-de-lei-anticrime.pdf>. Acesso em 18 novembro de 2019.

BRASIL, Ministério Público Federal. Caso Lava Jato – Entenda o caso. Disponível em: < http://www.mpf.mp.br/grandes-casos/lava-jato/entenda-o-caso >. Acesso em 18 novembro 2019.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp: 1691901 RS 2014/0210097-8, Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, Data de Julgamento: 26/09/2017, T6 – Sexta Turma, Data de Publicação: DJe 09/10/2014.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 127.483/PR, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 27/8/2015, DJe de 4/2/2016.

CANOTILHO, J.J. Gomes; BRANDÃO, Nuno. Colaboração Premiada: reflexões críticas sobre os acordos fundantes da Operação Lava Jato. Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 133. ano 25. p. 133-171. São Paulo: RT, jul. 2017.

CASARA, Rubens R.R. Mitologia procesual penal. São Paulo: Saraiva, 2015.

COSTA, Yasmin Maria Rodrigues da. O Significado Ideológico do Sistema Punitivo Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2005.

DALLA ZEN, Maurício Habckost; MACHADO, Tomás Grings. Primeiras Impressões a respeito da (des)necessidade do sigilo externo do acordo de colaboração premiada como forma de preservação dos direitos do delatado: um problema efetivo? In: SOUZA, Bernardo de Azevedo e; SILVEIRA, Felipe Lazzari da (org.) Democracia e(m) sistema penal. Porto Alegre: Canal Ciências Criminais, 2017.

DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena. Coimbra: Coimbra Editora, 1997.

DIPP, Gilson. A “delação” ou colaboração premiada. Brasília: IDP, 2015.

FERRO, Ana Luiza Almeida. Sutherland: A Teoria da Associação Diferencial e o Crime de Colarinho Branco. De jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 11, p. 144-167, jul./dez. 2008.

FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Trad. Eduardo Jardim e Roberto Machado. – Rio de Janeiro: Nau, 2013.

JARDIM, Afrânio Silva. Nova interpretação do Acordo de Cooperação Premiada. Disponível em: Acesso em 01 novembro 2019.

JORNAL NACIONAL. Lei da Repatriação é usada para lavar dinheiro de propina, diz força-tarefa. Rio de Janeiro, Edição do dia 16/05/2017. Disponível em: Acesso em 19 novembro 2019.

JESUS, Damásio de. Barganha e acordos no Processo Penal: crítica às tendências de expansão da justiça negociada no Brasil. Boletim do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal, São Paulo, v. 4, n. 6, p. 6-8, 2014.

MATTOS, Diogo Castor de. “Direito Penal tem sido instrumento de controle da classe dominante”. Entrevista concedida a Alexandre Leorati. JOTA, São Paulo, junho, 2018. Disponível em: . Acesso em 18 novembro 2019.

MENDONÇA, Andrey Borges de. A colaboração premiada e a nova Lei do Crime Organizado. Revista Custus Legis, Rio de Janeiro, v. 4, p. 1-38, 2013. Disponível em: . Acesso em: 31 outubro 2019.

MOLINA, Pablo Antônio Garcia; GOMES, Flávio Luiz. Criminologia. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

MUÑOZ CONDE, Francisco. Direito Penal e Controle Social. Trad. Cintia Toledo Miranda Chaves Rio de Janeiro: Forense, 2005.

PEREIRA, Frederico Valdez. Delação premiada: legitimidade e procedimento. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2014.

QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: Parte Geral. 13. ed. Salvador: JusPODIVM.

RODRIGUES, Victor Gabriel. O mito do delator leal: sobre a recente orientação do MPF para operar a colaboração premiada, 2018. Disponível em: Acesso em 06 novembro 2019.

ROSA, Alexandre Morais da. Você sabe o que significa Delação Premiada unilateral?, 2017. Disponível em: Acesso em: 02 novembro.2019.

SENNA, Gustavo, BEDÊ JUNIOR, Américo. A Colaboração Premiada no Brasil. In: ZANOTTI, Bruno Taufner, SANTOS, Cleopas Isaías (org.) Temas Atuais de Polícia Judiciária. 2. ed.. Salvador, Jus Podivm, 2016.

SILVA, Eduardo Araújo da. Organizações criminosas: aspectos penais e processuais da Lei nº 12.850/2013. São Paulo: Atlas, 2015.

SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017, p. 181-2019.

SUTHERLAND, Edwin H.; CRESSEY, Donald R.; LUCKENBILL, David F. Principles of criminology. 11. ed. New York: General Hall, 1992, p. 53-54.

TARDAGULA, Cristina. Um ano depois, investigações abertas sobre o caso Swissleaks andam em marcha lenta. Agência Lupa, Rio de Janeiro, abr 2016. Disponível em: Acesso em 19 novembro 2019.

WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi; ASSIS, Luana Rambo. A Seletividade no Sistema Penal Brasileiro e a Produção da Vida Nua (Homo sacer). Revista Prim@ Facie. vol. 15. número 28. João Pessoa: PPGCJ, v. 15, n. 28, 2016.

ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Trad. Vânia Ramos Pedrosa e Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991.




DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v10i1.6459

ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)

Desenvolvido por:

Logomarca da Lepidus Tecnologia